Receber o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) de um filho é um momento que traz consigo um misto de emoções e, acima de tudo, a busca incansável por proporcionar a melhor qualidade de vida e desenvolvimento para ele. As terapias multidisciplinares, como o método ABA, a fonoaudiologia e a terapia ocupacional, são fundamentais nesse processo, sendo a principal ferramenta para que a criança possa desenvolver suas potencialidades. No entanto, muitas famílias se deparam com um obstáculo doloroso e inesperado: a negativa de cobertura desses tratamentos pelo plano de saúde.
Essa recusa, muitas vezes justificada por argumentos como a ausência do procedimento no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ou a limitação de sessões, gera um sentimento de desespero e impotência. Afinal, a família já lida com os desafios diários do autismo e ainda precisa enfrentar uma batalha burocrática para garantir um direito que é essencial para o desenvolvimento de seu filho. Se você está passando por essa situação, saiba que a lei está do seu lado e existem caminhos para reverter essa decisão.
Este artigo tem como objetivo ser um guia para as famílias que enfrentam a negativa de cobertura de terapias para autismo. Aqui, vamos explicar por que essa prática é ilegal, quais são os seus direitos e o que você pode fazer para garantir que seu filho receba o tratamento adequado e prescrito pelos médicos.
Por Que a Negativa de Cobertura é Ilegal?
A principal justificativa utilizada pelos planos de saúde para negar a cobertura de terapias para autismo era a de que o rol de procedimentos da ANS não previa expressamente tais tratamentos ou estabelecia um número limitado de sessões. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a mais alta corte do país para questões infraconstitucionais, já consolidou o entendimento de que essa prática é abusiva.
Em 2022, o STJ decidiu que o rol da ANS é, em regra, taxativo. No entanto, a própria corte estabeleceu exceções, e o tratamento para TEA é uma delas. A Lei nº 9.656/98, que regulamenta os planos de saúde, garante a cobertura de todas as doenças listadas na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS), e o autismo está incluído nessa lista.
Além disso, a Lei nº 12.764/12, conhecida como Lei Berenice Piana, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, assegura o direito a um tratamento multidisciplinar. Portanto, a negativa do plano de saúde contraria não apenas a jurisprudência do STJ, mas também a legislação federal.
“É abusiva a recusa de cobertura pela operadora do plano de saúde de terapia multidisciplinar, bem como a limitação do número de sessões, quando prescrita por médico para tratamento de autismo.” (Jurisprudência em Teses, STJ, 2025)
Seus Direitos: O Que a Lei Garante
É fundamental que as famílias conheçam seus direitos para que possam lutar por eles. A legislação brasileira e as decisões judiciais garantem uma série de direitos às pessoas com autismo em relação aos planos de saúde:
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Direito
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Descrição
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Base Legal/Jurisprudencial
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Cobertura Obrigatória
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O plano de saúde é obrigado a cobrir o tratamento multidisciplinar para autismo, incluindo terapias como ABA, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicoterapia, entre outras.
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Lei nº 9.656/98 e Jurisprudência do STJ
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Sem Limite de Sessões
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A limitação do número de sessões de terapia é considerada ilegal. O tratamento deve ser fornecido na quantidade prescrita pelo médico.
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Jurisprudência do STJ
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Reembolso Integral
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Caso o plano de saúde não possua em sua rede credenciada profissionais especializados no tratamento prescrito, a família tem direito ao reembolso integral das despesas com o tratamento realizado fora da rede.
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Jurisprudência do STJ
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Acompanhante Terapêutico
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Se houver prescrição médica para acompanhante terapêutico (AT) em ambiente escolar ou residencial, o plano de saúde também deve cobrir os custos.
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Jurisprudência do STJ
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O Que Fazer Diante da Negativa do Plano de Saúde?
Ao receber a negativa do plano de saúde, é importante não desanimar. Existem passos que podem ser seguidos para garantir o direito do seu filho ao tratamento:
1.Solicite a Negativa por Escrito: O primeiro passo é exigir que o plano de saúde forneça a negativa de cobertura por escrito, com a devida justificativa. Esse documento é fundamental para as próximas etapas.
2.Reúna a Documentação: Tenha em mãos todos os documentos relevantes, como o laudo médico detalhado que prescreve o tratamento, a carteirinha do plano de saúde, o contrato com a operadora e a negativa por escrito.
3.Busque Orientação Jurídica: Com a documentação em mãos, procure um advogado especialista em Direito da Saúde. Ele poderá analisar o seu caso e orientá-lo sobre as melhores medidas a serem tomadas.
4.Ação Judicial com Pedido de Liminar: Em muitos casos, a solução mais eficaz é ingressar com uma ação judicial contra o plano de saúde. O advogado poderá solicitar uma liminar, que é uma decisão provisória e urgente, para que o plano seja obrigado a custear o tratamento imediatamente, antes mesmo do final do processo.
Conclusão
A luta para garantir um tratamento digno e adequado para um filho com autismo pode ser desgastante, mas é fundamental não desistir. A negativa dos planos de saúde em cobrir as terapias prescritas é uma prática abusiva e ilegal, e o Poder Judiciário tem se posicionado de forma consistente em favor das famílias.
Buscar orientação jurídica especializada é o caminho mais seguro e eficaz para garantir que os direitos do seu filho sejam respeitados. Um advogado com experiência na área da saúde saberá como agir para reverter a negativa do plano de saúde e assegurar que o tratamento seja iniciado o mais rápido possível, proporcionando o desenvolvimento e a qualidade de vida que seu filho merece.
Referências
•Superior Tribunal de Justiça (STJ). Jurisprudência em Teses. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2025/26052025-Jurisprudencia-em-Teses-traz-novos-entendimentos-sobre-os-direitos-da-pessoa-com-transtorno-do-espectro-autista-.aspx. Acesso em: 04 out. 2025.
•BRASIL. Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9656.htm. Acesso em: 04 out. 2025.
•BRASIL. Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm. Acesso em: 04 out. 2025.