Introdução
Receber o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) para um filho ou ente querido é uma jornada que se inicia com muitas dúvidas e, principalmente, com a busca incessante por tratamentos e terapias que possam proporcionar qualidade de vida e desenvolvimento. Nesse caminho, pais e responsáveis se deparam com uma série de indicações médicas, e uma das mais importantes e eficazes é a presença de um Acompanhante Terapêutico (AT). No entanto, o que deveria ser um passo em direção ao bem-estar muitas vezes se transforma em uma fonte de grande angústia e frustração: a recusa de cobertura pelo plano de saúde. A negativa, quase sempre sob a alegação de que o procedimento não consta no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), coloca as famílias em uma posição de vulnerabilidade, tendo que arcar com custos elevados ou, pior, interromper um tratamento essencial.
Essa situação é extremamente dolorosa. De um lado, há a recomendação clara e fundamentada do médico especialista, que atesta a necessidade do Acompanhante Terapêutico para o desenvolvimento da criança ou adolescente, visando sua autonomia, socialização e a melhora de seu quadro clínico. Do outro, há a burocracia e a interpretação restritiva dos contratos por parte das operadoras de saúde, que ignoram a legislação e a jurisprudência que protegem o paciente. É fundamental que as famílias saibam que essa recusa é, na maioria das vezes, indevida e ilegal. O direito à saúde, garantido pela Constituição Federal, sobrepõe-se a qualquer cláusula contratual ou lista de procedimentos. Este artigo foi criado para ser um guia, um farol de esperança para quem se sente perdido diante dessa negativa. Aqui, vamos desmistificar o juridiquês, explicar seus direitos de forma clara e direta, e mostrar o caminho para garantir que a prescrição médica seja cumprida, assegurando o tratamento completo e adequado para a pessoa com autismo.
O que é o Acompanhante Terapêutico e por que ele é essencial?
O Acompanhante Terapêutico (AT) é um profissional especializado que atua como uma ponte entre o paciente e o mundo, auxiliando-o a lidar com as dificuldades do dia a dia, a desenvolver habilidades sociais e a se integrar em diferentes ambientes, como a escola e a comunidade. Para uma pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA), o AT desempenha um papel crucial, aplicando as técnicas terapêuticas indicadas pela equipe multidisciplinar em situações cotidianas. Ele não é um cuidador, mas sim um agente terapêutico que trabalha de forma estruturada para alcançar objetivos específicos, como a redução de comportamentos disruptivos, o estímulo à comunicação e a promoção da autonomia.
A importância do AT reside na sua capacidade de generalizar os aprendizados obtidos nas sessões de terapia para a vida real. Enquanto no consultório a criança aprende uma nova habilidade, é no ambiente escolar ou em casa que ela precisará aplicá-la, e é aí que o Acompanhante Terapêutico se torna indispensável. Ele oferece o suporte necessário para que a pessoa com autismo consiga transpor as barreiras impostas pelo transtorno, facilitando sua inclusão e seu desenvolvimento pleno. A prescrição de um AT pelo médico que acompanha o paciente não é um capricho, mas uma necessidade terapêutica fundamentada em evidências científicas, como as da Análise do Comportamento Aplicada (ABA), reconhecida como a abordagem mais eficaz para o tratamento do autismo.
A Negativa do Plano de Saúde: Uma Prática Abusiva
A principal justificativa utilizada pelos planos de saúde para negar a cobertura do Acompanhante Terapêutico é a de que este procedimento não está incluído no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS. No entanto, essa alegação é frágil e tem sido sistematicamente derrubada pelo Poder Judiciário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou o entendimento de que o rol da ANS é exemplificativo, ou seja, ele representa apenas a cobertura mínima obrigatória, e não tudo o que deve ser coberto. Se existe uma prescrição médica fundamentada indicando a necessidade de um tratamento, o plano de saúde não pode se recusar a cobri-lo, mesmo que ele não esteja expressamente listado no rol.
Além disso, a Lei nº 9.656/98, que regulamenta os planos de saúde, obriga a cobertura de tratamentos para todas as doenças listadas na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS). O autismo está classificado na CID, e, portanto, seu tratamento, incluindo as terapias indicadas pelo médico, deve ser integralmente coberto. A recusa da operadora configura uma prática abusiva, que coloca o consumidor em desvantagem exagerada e restringe direitos fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto, que é a proteção da saúde e da vida.
A Lei nº 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, é clara em seu artigo 2º, inciso III, ao garantir o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades.
Como Agir ao Receber a Negativa do Plano de Saúde
Ao se deparar com a recusa do plano de saúde, é fundamental não se desesperar e seguir um passo a passo para resguardar seus direitos. A organização e a documentação são suas maiores aliadas nesse processo.
1.Solicite a Negativa por Escrito: A primeira e mais importante medida é exigir que a operadora de saúde formalize a negativa por escrito. Este documento deve ser claro e detalhado, explicando o motivo da recusa. A empresa é obrigada por lei a fornecer essa declaração.
2.Reúna a Documentação Médica: Tenha em mãos o laudo médico completo que atesta o diagnóstico de TEA e, principalmente, a prescrição específica para o acompanhamento terapêutico. Este relatório deve ser detalhado, justificando a necessidade do AT, a carga horária recomendada e os objetivos do tratamento.
3.Guarde Todos os Protocolos: Anote e guarde todos os números de protocolo de ligações, e-mails e qualquer outra forma de comunicação com o plano de saúde. Isso comprova suas tentativas de resolver a questão administrativamente.
4.Busque Orientação Jurídica: Com a negativa formalizada e a documentação médica em mãos, o próximo passo é procurar um advogado especializado em Direito da Saúde. Ele analisará o seu caso e indicará o melhor caminho a seguir, que geralmente envolve uma ação judicial com pedido de liminar.
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Passo
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Ação
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Importância
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1
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Solicitar a negativa por escrito
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Documento essencial para comprovar a recusa do plano.
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2
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Reunir laudos e prescrições
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Prova a necessidade médica do tratamento.
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3
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Guardar protocolos e e-mails
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Demonstra a tentativa de solução amigável.
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4
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Procurar um advogado especialista
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Garante a defesa técnica e especializada dos seus direitos.
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A Importância da Ação Judicial com Pedido de Liminar
Diante da urgência que o tratamento requer, a ação judicial com pedido de liminar é o instrumento mais eficaz para garantir rapidamente o direito do paciente. A liminar é uma decisão provisória concedida pelo juiz no início do processo, que obriga o plano de saúde a custear o Acompanhante Terapêutico imediatamente, antes mesmo do julgamento final da causa. Para a concessão da liminar, o juiz analisará a presença de dois requisitos: a probabilidade do direito (a “fumaça do bom direito”) e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (o “perigo da demora”).
No caso do Acompanhante Terapêutico para pessoas com autismo, a probabilidade do direito é evidenciada pela prescrição médica e pela legislação que ampara o paciente. O perigo de dano é claro, pois a ausência ou a interrupção do tratamento pode causar prejuízos irreparáveis ao desenvolvimento da criança ou do adolescente. O Poder Judiciário tem sido sensível a essa questão, concedendo liminares em um prazo muito curto, muitas vezes em questão de dias, para assegurar que o tratamento não seja interrompido.
Conclusão
A luta para garantir os direitos de uma pessoa com autismo pode ser desgastante, mas é fundamental que as famílias não desistam diante da primeira barreira imposta pelo plano de saúde. A recusa em cobrir o Acompanhante Terapêutico, quando há prescrição médica, é uma prática abusiva e ilegal. A legislação brasileira e as decisões reiteradas dos tribunais formam um escudo sólido de proteção ao paciente, garantindo que o direito à saúde e a uma vida digna prevaleçam sobre os interesses comerciais das operadoras.
Buscar orientação jurídica especializada não é apenas um passo para resolver um problema pontual, mas um ato de fortalecimento e de garantia de que todos os direitos do seu filho ou ente querido serão respeitados ao longo de sua jornada. Um advogado com experiência em Direito da Saúde saberá como agir de forma estratégica e rápida, utilizando os instrumentos legais, como a ação com pedido de liminar, para assegurar a continuidade do tratamento. Nosso escritório se dedica a essa causa, compreendendo a urgência e a importância de cada caso. Estamos aqui para lutar ao seu lado, transformando a angústia da negativa em a certeza do direito conquistado.
Referências
•BRASIL. Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.
•BRASIL. Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
•BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmulas e Jurisprudência.