O trabalho por meio de aplicativos de transporte tornou-se a principal fonte de renda para milhões de brasileiros. A flexibilidade e a autonomia são grandes atrativos, mas essa relação de trabalho, mediada por algoritmos, também apresenta desafios e vulnerabilidades. Uma das situações mais angustiantes para um motorista é ver sua fonte de sustento ser drasticamente reduzida ou completamente interrompida de forma abrupta e sem explicações claras. É o caso dos bloqueios, suspensões e, mais recentemente, de uma prática conhecida como shadow ban.
Este artigo tem o objetivo de informar, de maneira geral e em conformidade com as diretrizes éticas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sobre os direitos dos motoristas de aplicativo diante de punições aplicadas pelas plataformas digitais, como o bloqueio velado e a discriminação por algoritmos.
O que é ‘Shadow Ban’ ou Bloqueio Velado?
O shadow ban (termo em inglês que pode ser traduzido como “banimento fantasma”) ou softblock (“bloqueio suave”) é uma prática utilizada por plataformas digitais para restringir o alcance ou a funcionalidade de um usuário sem que ele seja formalmente notificado. No contexto dos motoristas de aplicativo, isso se manifesta de formas sutis, mas com consequências devastadoras para a sua renda.
Em vez de desativar a conta, o algoritmo da plataforma pode ser ajustado para, por exemplo:
•Reduzir drasticamente o número de chamadas de corridas oferecidas;
•Oferecer apenas corridas de baixo valor ou com longas distâncias para buscar o passageiro, tornando-as financeiramente inviáveis;
•Limitar a visibilidade do motorista para certos tipos de passageiros ou em determinadas áreas.
O motorista percebe que seu faturamento caiu, que passa horas online sem receber chamadas, mas, ao contatar o suporte, a resposta padrão é que “está tudo normal” com sua conta. Essa falta de transparência gera angústia e dificulta a defesa do trabalhador, que fica sem entender por que sua principal ferramenta de trabalho se tornou ineficaz.
A Discriminação por Algoritmos e a LGPD
Outro ponto de atenção é a possibilidade de discriminação por meio de decisões automatizadas. Um algoritmo pode ser programado, intencionalmente ou não, para aplicar filtros que resultem em tratamento desigual para certos motoristas. Um exemplo seria um sistema que, após uma denúncia não verificada, passa a restringir as corridas do motorista a passageiros de um gênero específico, impactando diretamente seu potencial de ganho, visto que o perfil de usuários da plataforma é diverso.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018) estabelece, em seu artigo 20, que o titular dos dados (neste caso, o motorista) tem o direito de solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais que afetem seus interesses. Isso inclui o direito a não ser submetido a decisões que produzam efeitos discriminatórios.
Quais são os seus Direitos?
A relação entre motoristas e plataformas, embora tratada como uma “parceria”, é marcada por uma clara assimetria de poder. Por isso, a Justiça tem aplicado, em muitos casos, as normas do Código de Defesa do Consumidor, reconhecendo a vulnerabilidade do motorista. Além disso, princípios básicos de direito contratual, como a boa-fé objetiva, devem guiar essa relação.
Isso significa que as plataformas não podem agir de forma arbitrária. A exclusão, suspensão ou qualquer forma de punição que afete a atividade profissional do motorista deve ser precedida de, no mínimo:
1.Notificação clara: O motorista deve ser informado sobre a conduta específica que lhe está sendo imputada.
2.Direito de defesa: Deve ser garantida a oportunidade de apresentar sua versão dos fatos e contestar a acusação.
3.Transparência: A decisão da plataforma deve ser fundamentada e transparente, não baseada em acusações genéricas ou sistemas obscuros.
O que fazer em caso de bloqueio, suspensão ou ‘shadow ban’?
Se você é motorista de aplicativo e está passando por uma situação de bloqueio injusto ou percebeu uma queda inexplicável e drástica em suas corridas, algumas medidas podem ser tomadas:
•Documente tudo: Faça capturas de tela (prints) de seus ganhos semanais, do histórico de corridas, das avaliações, e de todas as conversas com o suporte da plataforma. Esse material é fundamental para comprovar a mudança no padrão de trabalho e a sua tentativa de resolver o problema amigavelmente.
•Seja persistente no suporte: Continue contatando a plataforma, explicando a situação de forma detalhada e solicitando uma análise técnica e uma solução clara. Guarde todos os protocolos de atendimento.
•Busque orientação jurídica: Caso a situação não seja resolvida, a busca por assessoria jurídica especializada pode ser o caminho para garantir seus direitos. Um profissional poderá analisar o seu caso concreto e avaliar as medidas judiciais cabíveis, que podem incluir um pedido de tutela de urgência para o restabelecimento imediato da sua conta, bem como a reparação por danos morais, lucros cessantes e outros danos decorrentes da prática abusiva.
É fundamental que os motoristas de aplicativo conheçam seus direitos para se protegerem de decisões unilaterais e abusivas que podem comprometer seu sustento. Para mais informações sobre direito digital e defesa de trabalhadores em plataformas, acompanhe as publicações em nosso site.
Este artigo possui caráter exclusivamente informativo, conforme o Código de Ética e Disciplina da OAB, e não constitui aconselhamento jurídico para casos específicos. Para uma análise de sua situação, consulte um advogado. Informações sobre nossa área de atuação podem ser encontradas em www.felipemedeiros.adv.br.