O fim de um casamento é um processo complexo e, frequentemente, doloroso. Além das questões emocionais, a partilha de bens costuma ser um dos pontos mais sensíveis e que gera maiores atritos. Contudo, é fundamental compreender que nem tudo o que um casal possui entra na divisão. Existe uma categoria de bens, protegida por lei, que não se comunica e pertence exclusivamente a cada um dos cônjuges: os bens de uso pessoal.
Recentemente, em nossa atuação jurídica, deparamo-nos com uma situação emblemática que ilustra perfeitamente essa questão. Após a homologação de um divórcio, uma das partes se viu privada de ter acesso a todos os seus pertences mais íntimos – roupas, calçados, livros, documentos e, o mais sensível, recordações de uma vida inteira materializadas em fotografias e álbuns de família. O ex-cônjuge, de forma arbitrária, reteve todos esses itens, que guarneciam a antiga residência do casal.
A Lei Protege Seus Bens Pessoais
No regime da comunhão parcial de bens, o mais comum no Brasil, a regra é que os bens adquiridos onerosamente durante o casamento sejam partilhados igualmente. No entanto, o Código Civil, em seu artigo 1.659, inciso V, estabelece uma exceção clara e inequívoca:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
Essa exclusão não é um mero detalhe técnico. Ela reflete um princípio basilar de que o casamento, embora crie uma comunhão de vida e de patrimônio, não apaga a individualidade. Suas roupas, seus livros, seus objetos de adorno e, principalmente, suas memórias, são projeções da sua identidade. Eles possuem um valor afetivo e existencial inestimável que a lei busca proteger.
O Que Fazer em Caso de Retenção Indevida?
A retenção desses bens pelo ex-cônjuge, após o fim da sociedade conjugal, configura um ato ilícito e um manifesto abuso de direito. A posse, que antes era justa, torna-se precária e de má-fé a partir do momento em que há uma recusa em devolver o que não lhe pertence.
O primeiro passo é tentar uma solução amigável, formalizando o pedido de devolução. Uma notificação extrajudicial, enviada por meios que permitam comprovar o recebimento (como aplicativos de mensagem com confirmação de leitura ou via cartório), é uma medida importante. Nela, deve-se detalhar a situação e conceder um prazo razoável para que os bens sejam devolvidos ou disponibilizados para retirada.
Se o silêncio ou a recusa persistirem, não resta outra alternativa senão buscar a tutela do Poder Judiciário. A medida processual adequada para reaver os bens é a Ação de Busca e Apreensão. Em casos urgentes, onde há o risco de extravio, dano ou ocultação dos pertences – especialmente aqueles de valor sentimental insubstituível, como fotografias –, é possível solicitar uma liminar (tutela de urgência) para que a busca e apreensão seja determinada pelo juiz imediatamente, antes mesmo que a outra parte seja ouvida no processo.
A Importância do Advogado Especialista
Lidar com a retenção de bens pessoais em um cenário pós-divórcio exige uma atuação jurídica firme e estratégica. A interpretação correta dos acordos de partilha e a aplicação da lei são cruciais para garantir que a quitação dada sobre os bens comuns não seja indevidamente estendida aos seus pertences particulares.
Se você está passando por uma situação semelhante, é vital buscar o auxílio de um advogado especialista em Direito de Família. Ele poderá orientá-lo sobre as melhores medidas a serem tomadas, desde a notificação extrajudicial até o ajuizamento da ação competente, protegendo seus direitos e, acima de tudo, sua história.
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