Imagine a seguinte situação hipotética:
Em janeiro de 2024, Regina descobriu que seu nome foi incluído no SPC/Serasa por uma dívida de R$ 5.000,00 do Banco Verde – um banco com o qual ela nunca teve conta ou cartão.
Regina ficou muito chateada e tentou resolver administrativamente, mas o Banco Verde não reconheceu o erro.
Em março de 2024, Regina passou por dificuldades financeiras e atrasou realmente o pagamento de duas contas legítimas:
- uma conta de R$ 2.000,00 do Banco Amarelo (que foi para o SPC em junho/2024).
- uma conta de R$ 1.500,00 da Loja Alfa (que foi para o SPC em julho/2024).
Em agosto de 2024, Regina ingressou com ação contra o Banco Verde pedindo que:
- a dívida de R$ 5.000,00 fosse declarada inexistente;
- o banco pagasse indenização por danos morais pela sua inscrição indevida no cadastro de proteção ao crédito.
O Banco Verde apresentou contestação alegando que, como Regina tinha outras dívidas (mesmo que posteriores), ela não teria direito à indenização.
O réu afirmou que deveria ser aplicado, no caso, o raciocínio da Súmula 385 do STJ:
Súmula 385-STJ: Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento.
Os argumentos do Banco Verde foram acolhidos pelo STJ?
NÃO.
A inscrição indevida do nome do consumidor em cadastro de proteção ao crédito caracteriza dano moral in re ipsa.
Esse entendimento é mitigado pela Súmula 385/STJ, segundo a qual “da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.
Ao anotar, indevidamente, o nome do consumidor no SPC / Serasa, o fornecedor pratica ato ilícito cujo efeito é lhe impor o dever de compensar o dano moral in re ipsa, pois tal conduta acarreta profundo abalo à dignidade, à honra e ao respeito de que goza o consumidor no seio social.
Se, no momento da prática do ato ilícito (inscrição irregular), já existia prévia anotação legítima do nome do consumidor, afasta-se o dano moral, nos termos da Súmula 385/STJ. Isso porque “quem já é registrado como mau pagador não pode se sentir moralmente ofendido pela inscrição do seu nome como inadimplente em cadastros de proteção ao crédito” (STJ. 2ª Seção. REsp 1.002.985/RS, julgado em 14/5/2008, DJe de 27/8/2008).
O enunciado da Súmula 385/STJ funda-se na consideração de que “o dano decorre da imputação indevida de inadimplente a alguém que efetivamente não o é”. Assim, “o fato de existir registros anteriores por si só já configura o estado de inadimplemento. Mais um ou menos um […] não pode causar mais dor do que o primeiro” (STJ. 2ª Seção. REsp 1.062.336/RS, julgado em 10/12/2008, DJe de 12/5/2009).
Em suma, aquele que já possui seu nome corretamente negativado não sofre abalo moral em virtude de nova inscrição em cadastro de proteção ao crédito, ainda que irregular.
No caso concreto, contudo, a situação é diferente. Primeiro houve uma inscrição irregular (ilegítima) feita pelo Banco Verde. Somente depois é que ocorreram inscrições legítimas feitas por outros fornecedores. Logo, não se aplica a Súmula 385 do STJ.
Se no momento da prática do ato ilícito (anotação irregular) não havia inscrição do nome do consumidor no cadastro de inadimplentes conclui-se que a dignidade, a honra e o respeito da consumidora foram maculadas nesse momento. Assim, ficou caracterizado o dano moral in re ipsa.
Em suma:
A anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito que antecede a inscrição legítima caracteriza dano moral in re ipsa.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.160.941-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/11/2024 (Info 23 – Edição Extraordinária).
Fonte: Dizer o Direito