ANÁLISE DE VIABILIDADE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO

1. RESUMO DO CASO

O caso trata de ação de indenização por danos morais e materiais movida por Daniel Correia Curinga contra o MercadoLivre, em razão da negativa de reembolso de produto devolvido no exercício do direito de arrependimento (art. 49 do CDC).

Decisões:

1ª Instância: Sentença de improcedência (Juíza Andressa Luara Holanda Rosado Fernandes)
2ª Instância: Acórdão confirmando a sentença por seus próprios fundamentos (Relator: Juiz João Afonso Morais Pordeus)

Fundamentos das decisões:

Ausência de comprovação da devolução tempestiva do produto dentro do prazo de 7 dias do art. 49 do CDC
Produto foi recebido pela ré em 23/10/2024, extrapolando o prazo legal
Autor não apresentou comprovante de postagem que demonstrasse envio dentro do prazo
Análise unilateral da ré indicou sinais de uso no produto
Autor não requereu perícia para impugnar a análise da ré

2. REQUISITOS PARA RECURSO EXTRAORDINÁRIO

2.1 REPERCUSSÃO GERAL (Art. 102, §3º, CF)

Conceito: Instituto processual pelo qual se reserva ao STF o julgamento de temas trazidos em recursos extraordinários que apresentem questões relevantes sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico e que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
Requisitos:
Questões relevantes sob aspecto econômico, político, social ou jurídico
Que ultrapassem os interesses subjetivos da causa
Demonstração clara e objetiva no recurso extraordinário
Análise de competência exclusiva do STF
Votação:
Repercussão geral: maioria simples (4 votos)
Ausência de repercussão geral: quórum qualificado (8 votos)
Omissões computam-se a favor da existência

2.2 HIPÓTESES DE CABIMENTO (Art. 102, III, CF)

a) contrariar dispositivo da Constituição b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição

2.3 PREQUESTIONAMENTO

Requisito pelo qual a matéria constitucional deve ter sido efetivamente decidida pelas instâncias inferiores, seja de forma expressa ou implícita.

3. ANÁLISE DO PREQUESTIONAMENTO

3.1 CONCEITO

O prequestionamento significa que a questão de direito veiculada no recurso tenha sido previamente decidida no julgado recorrido. Somente há prequestionamento quando a questão já tiver sido controvertida e decidida na Instância Inferior.

3.2 SÚMULAS APLICÁVEIS

Súmula 282 STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”
Súmula 356 STF: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”

3.3 PREQUESTIONAMENTO FICTO

O art. 1.025 do CPC estabelece que se consideram incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados.

4. JURISPRUDÊNCIA RECENTE DO STF SOBRE PLATAFORMAS DIGITAIS

4.1 DECISÃO SOBRE RESPONSABILIDADE DE MARKETPLACES

O STF recentemente (2025) proferiu decisão importante sobre responsabilidade de plataformas digitais, estabelecendo:
1.Aplicação do art. 19 do Marco Civil: Continua válida para provedores neutros
2.Responsabilização ampliada: Em casos específicos que potencializam riscos
3.Duas hipóteses de responsabilização sem ordem judicial:
Impulsionamento pago de anúncios
Uso ilícito de redes artificiais de distribuição

4.2 DEVER DE CUIDADO

O STF estabeleceu dever de cuidado para plataformas digitais agirem proativamente para impedir publicação de conteúdos ilícitos relacionados a crimes gravíssimos.

5. ANÁLISE ESPECÍFICA DO CASO

5.1 QUESTÕES CONSTITUCIONAIS POTENCIAIS

5.1.1 Violação ao art. 5º, XXXII, CF (Defesa do Consumidor)

A Constituição estabelece que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”
Possível violação se as decisões não aplicaram adequadamente o CDC

5.1.2 Violação ao art. 170, V, CF (Defesa do Consumidor na Ordem Econômica)

A ordem econômica deve observar a defesa do consumidor
Marketplace como agente econômico na cadeia de fornecimento

5.1.3 Violação aos arts. 5º, LIV e LV, CF (Devido Processo Legal)

Possível violação se houve inversão inadequada do ônus da prova
Questão sobre adequada aplicação dos princípios processuais constitucionais

5.2 PROBLEMAS IDENTIFICADOS NO CASO

5.2.1 Questão Probatória vs. Questão de Direito

O caso foi decidido principalmente por questões probatórias (falta de comprovação da data de envio)
STF não analisa questões fático-probatórias
Limitação significativa para o Recurso Extraordinário

5.2.2 Ausência de Prequestionamento Constitucional

As decisões não enfrentaram especificamente questões constitucionais
Focaram em aplicação infraconstitucional do CDC e CPC
Não houve discussão sobre violação a preceitos constitucionais

5.2.3 Questão Infraconstitucional

A controvérsia gira em torno da interpretação do art. 49 do CDC
Aplicação de regras processuais do CPC sobre ônus da prova
Matéria tipicamente infraconstitucional

6. CONCLUSÃO SOBRE A VIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

6.1 ANÁLISE DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE

Após minuciosa análise dos documentos processuais e da jurisprudência aplicável, conclui-se pela INVIABILIDADE do Recurso Extraordinário no presente caso, pelos fundamentos a seguir expostos.

6.1.1 AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO CONSTITUCIONAL

O primeiro e mais grave óbice ao Recurso Extraordinário reside na ausência de prequestionamento de matéria constitucional. Tanto a sentença de primeiro grau quanto o acórdão da Turma Recursal limitaram-se a analisar questões infraconstitucionais, especificamente a aplicação do art. 49 do CDC e das regras processuais sobre ônus da prova previstas no CPC.
Em nenhum momento as decisões enfrentaram questões constitucionais, tais como possível violação aos arts. 5º, XXXII, ou 170, V, da Constituição Federal. As instâncias inferiores não se manifestaram sobre eventual violação a preceitos constitucionais relacionados à defesa do consumidor ou ao devido processo legal.
Conforme consolidado nas Súmulas 282 e 356 do STF, é inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão constitucional suscitada. No caso em análise, sequer foram opostos embargos de declaração para suscitar questões constitucionais omitidas, o que impede até mesmo a aplicação do prequestionamento ficto previsto no art. 1.025 do CPC.

6.1.2 NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL DA CONTROVÉRSIA

A controvérsia central do caso gira em torno da interpretação e aplicação do art. 49 do CDC, que trata do direito de arrependimento, e das regras processuais sobre ônus da prova. Trata-se de matéria tipicamente infraconstitucional, que não enseja a intervenção do Supremo Tribunal Federal.
As decisões fundamentaram-se na ausência de comprovação da devolução tempestiva do produto dentro do prazo de sete dias, questão eminentemente fático-probatória que não comporta análise em sede de Recurso Extraordinário. O STF não se presta a reexaminar provas ou fatos, limitando-se ao controle de constitucionalidade.
Mesmo que se tentasse enquadrar a questão como violação ao devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, CF), a jurisprudência do STF é firme no sentido de que a mera alegação de violação a esses dispositivos, quando o fundamento é infraconstitucional, não autoriza o conhecimento do recurso extraordinário.

6.1.3 AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL

Ainda que superados os óbices anteriores, o caso não apresenta repercussão geral apta a justificar a intervenção do STF. A questão discutida possui relevância meramente individual, não ultrapassando os interesses subjetivos das partes envolvidas.
Embora o tema da responsabilidade de plataformas digitais tenha relevância social e econômica, o caso específico não traz inovação jurídica ou questão constitucional relevante que justifique a criação de um tema de repercussão geral. A controvérsia limita-se à aplicação de regras já consolidadas sobre direito de arrependimento e ônus da prova.
A recente decisão do STF sobre responsabilidade de plataformas digitais (RE 1037396 e RE 1057258) tratou de questões relacionadas ao Marco Civil da Internet e responsabilidade por conteúdo de terceiros, matéria diversa da discutida no presente caso, que envolve relação de consumo e direito de arrependimento.

6.2 ANÁLISE DE MÉRITO (SUBSIDIÁRIA)

Mesmo que fossem superados os óbices processuais, o mérito da questão não favorece o recorrente. As decisões das instâncias inferiores estão em consonância com a jurisprudência consolidada sobre o tema.
O direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC exige o cumprimento de requisitos formais, especialmente a devolução tempestiva do produto no prazo de sete dias. O ônus de comprovar o exercício tempestivo desse direito recai sobre o consumidor, conforme art. 373, I, do CPC.
No caso concreto, o autor não logrou comprovar que a devolução ocorreu dentro do prazo legal, limitando-se a apresentar documentos que comprovam apenas o recebimento do produto pela ré em data posterior ao prazo de sete dias. A ausência de comprovante de postagem ou outro documento hábil a demonstrar a remessa tempestiva inviabiliza o reconhecimento do direito pleiteado.

6.3 RISCOS PROCESSUAIS

A interposição de Recurso Extraordinário manifestamente inadmissível pode acarretar consequências processuais negativas, incluindo:
1.Multa por litigância de má-fé: Conforme art. 1.021, §4º, do CPC, a interposição de recurso com intuito manifestamente protelatório sujeita o recorrente ao pagamento de multa.
2.Honorários advocatícios: Em caso de improvimento do recurso, há risco de majoração dos honorários advocatícios.
3.Desgaste da relação processual: A interposição de recurso manifestamente inadmissível pode prejudicar a credibilidade da parte e de seus procuradores perante o Poder Judiciário.

6.4 ALTERNATIVAS PROCESSUAIS

Considerando a inviabilidade do Recurso Extraordinário, sugere-se avaliar as seguintes alternativas:

6.4.1 Ação Rescisória

Caso sejam identificados vícios graves nas decisões proferidas, poder-se-ia cogitar da propositura de ação rescisória, desde que presentes os requisitos do art. 966 do CPC.

6.4.2 Reclamação Constitucional

Na hipótese de existir decisão do STF em sentido contrário às decisões proferidas no caso, seria cabível reclamação constitucional para garantir a autoridade das decisões do Supremo.

6.4.3 Nova Ação com Melhor Instrução Probatória

Considerando que o caso foi decidido por questões probatórias, uma nova ação com melhor instrução probatória poderia ter resultado diverso, desde que respeitados os prazos prescricionais e decadenciais.

7. RECOMENDAÇÃO FINAL

Com base na análise técnico-jurídica realizada, NÃO SE RECOMENDA a interposição de Recurso Extraordinário no presente caso, pelos seguintes motivos principais:
1.Ausência de prequestionamento constitucional: As decisões não enfrentaram questões constitucionais, limitando-se à aplicação de normas infraconstitucionais.
2.Natureza infraconstitucional da controvérsia: A questão central envolve interpretação do CDC e regras processuais, matérias que não comportam análise pelo STF.
3.Questão fático-probatória: O caso foi decidido pela ausência de prova da devolução tempestiva, questão que não pode ser reexaminada em sede de Recurso Extraordinário.
4.Ausência de repercussão geral: O caso não apresenta relevância que ultrapasse os interesses subjetivos das partes.
5.Riscos processuais: A interposição de recurso manifestamente inadmissível pode acarretar consequências negativas.
A tentativa de interposição do Recurso Extraordinário configuraria verdadeira “aventura jurídica”, com chances mínimas de sucesso e riscos processuais significativos. A energia e recursos que seriam despendidos na elaboração e acompanhamento do recurso seriam mais bem aproveitados em outras estratégias processuais ou na busca de soluções extrajudiciais.
Portanto, conforme solicitado, considerando que as chances são mínimas e constituiria uma aventura jurídica, estamos quites quanto à análise da viabilidade do Recurso Extraordinário.