Introdução
Em um cenário econômico onde a busca por crédito é uma realidade para muitos brasileiros, os contratos de empréstimo e financiamento se tornam ferramentas essenciais para a realização de projetos pessoais e profissionais. Seja para a aquisição de um veículo, a reforma de um imóvel ou para a organização das finanças, a contratação de crédito é uma prática comum e legítima. Contudo, é fundamental que o consumidor esteja ciente de que, por trás da aparente simplicidade desses contratos, podem se esconder cláusulas e práticas abusivas que geram um endividamento excessivo e desproporcional.
Este artigo possui um caráter puramente informativo e educacional, em estrita observância às normas éticas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O objetivo é esclarecer os direitos dos consumidores nas relações contratuais com instituições financeiras e apresentar as hipóteses em que a revisão judicial de um contrato bancário pode ser um caminho viável para restaurar o equilíbrio e a justiça na relação negocial.
A Relação de Consumo com os Bancos e a Vulnerabilidade do Consumidor
É pacífico no ordenamento jurídico brasileiro que a relação entre um cliente e uma instituição financeira é uma relação de consumo. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou este entendimento na Súmula 297, que estabelece: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”
Essa premissa é de suma importância, pois atrai a aplicação de todo o microssistema protetivo do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que reconhece a vulnerabilidade do consumidor na relação contratual. No caso dos contratos bancários, essa vulnerabilidade é ainda mais acentuada. Em sua grande maioria, estamos diante de contratos de adesão, cujas cláusulas são pré-estabelecidas unilateralmente pela instituição financeira, não havendo espaço para que o consumidor possa discuti-las ou modificá-las. Ao cliente, resta apenas a alternativa de aceitar o contrato em bloco ou recusá-lo.
Essa realidade mitiga o princípio do pacta sunt servanda (a força obrigatória dos contratos), permitindo que o Poder Judiciário intervenha para afastar ilegalidades e restaurar o equilíbrio contratual, garantindo que a boa-fé e a equidade prevaleçam.
Juros Abusivos: O Que São e Como Identificar?
Uma das principais fontes de onerosidade excessiva nos contratos bancários reside na estipulação de juros remuneratórios em patamares abusivos. Embora as instituições financeiras não se submetam à Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), conforme a Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal (STF) , isso não lhes confere uma autorização irrestrita para a fixação de juros.
O STJ, em sede de recurso repetitivo (REsp 1.061.530/RS), firmou o entendimento de que a abusividade da taxa de juros deve ser aferida no caso concreto, utilizando como principal parâmetro a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil (BACEN) para operações da mesma espécie e na mesma época da contratação . Considera-se abusiva a taxa que se mostra substancialmente discrepante e que coloca o consumidor em desvantagem exagerada.
|
Parâmetro de Análise
|
Descrição
|
|
Taxa Média de Mercado (BACEN)
|
Principal referência para aferir a abusividade dos juros remuneratórios.
|
|
Discrepância Substancial
|
A taxa contratada deve ser consideravelmente superior à média de mercado.
|
|
Onerosidade Excessiva
|
A taxa imposta deve gerar um desequilíbrio contratual significativo em prejuízo do consumidor.
|
Capitalização de Juros (Juros sobre Juros): É Permitida?
A capitalização de juros, popularmente conhecida como “juros sobre juros” ou anatocismo, é a cobrança de juros sobre um montante que já foi acrescido de juros. Essa prática, que acelera exponencialmente o crescimento de uma dívida, é permitida no Brasil, desde que observados alguns requisitos.
A Súmula 539 do STJ admite a capitalização com periodicidade inferior à anual para contratos celebrados após 31/03/2000, desde que expressamente pactuada . O STJ também já decidiu que a previsão no contrato de uma taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada (REsp 973.827/RS) .
Contudo, a pactuação deve ser clara e inequívoca, em respeito ao dever de informação previsto no artigo 6º, III, do CDC. Cláusulas obscuras ou que não permitam ao consumidor a exata compreensão do impacto da capitalização sobre sua dívida podem ser consideradas nulas.
Tarifas Ilegais e Venda Casada
Outra prática comum que pode ser questionada judicialmente é a cobrança de tarifas administrativas embutidas nos contratos de financiamento. Muitas dessas tarifas são consideradas ilegais pela jurisprudência, pois transferem ao consumidor custos que são inerentes à própria atividade da instituição financeira. Exemplos comuns incluem:
•Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e Tarifa de Emissão de Carnê (TEC): Consideradas ilegais para contratos celebrados a partir de 30/04/2008 (REsp 1.251.331/RS) .
•Tarifa de Avaliação do Bem: Só é válida se o serviço de avaliação for efetivamente prestado e comprovado.
•Tarifa de Registro de Contrato: Só é válida se o serviço for efetivamente prestado e o valor não for abusivo.
Além disso, é vedada a venda casada, prática que condiciona a concessão do empréstimo à contratação de outros produtos ou serviços, como seguros ou títulos de capitalização, sem que o consumidor tenha a liberdade de escolha.
O Direito à Informação e a Negativação Indevida
O consumidor tem o direito fundamental de obter informações claras e adequadas sobre todos os aspectos do contrato, incluindo o extrato evolutivo completo da dívida. A recusa da instituição financeira em fornecer tais informações configura uma falha na prestação do serviço e um desrespeito ao princípio da transparência.
Caso o consumidor, desconfiando da legalidade dos encargos, busque a revisão do contrato, e a instituição financeira, em vez de dialogar, proceda à negativação de seu nome em órgãos de proteção ao crédito (SPC, SERASA) ou ao protesto do título, essa conduta pode ser considerada abusiva. Em muitos casos, é possível obter uma tutela de urgência (liminar) para impedir ou suspender a negativação enquanto se discute judicialmente a legalidade do débito.
Conclusão
A revisão judicial de um contrato bancário é um direito do consumidor quando há indícios de cláusulas abusivas e práticas ilegais por parte da instituição financeira. Este serviço jurídico especializado visa analisar detalhadamente o contrato à luz da legislação e da jurisprudência, buscando o reequilíbrio da relação contratual e a proteção do patrimônio do consumidor.
Se você se encontra em uma situação de endividamento excessivo e suspeita que seu contrato de empréstimo ou financiamento contém juros abusivos, capitalização indevida ou tarifas ilegais, é recomendável buscar orientação jurídica qualificada. Um advogado especialista poderá analisar o seu caso concreto e indicar as medidas cabíveis para a defesa de seus direitos.