O avanço da tecnologia e a digitalização dos processos judiciais trouxeram inúmeros benefícios, mas também abriram portas para novas e sofisticadas modalidades de fraudes. Uma das que mais tem crescido e causado prejuízos significativos é o “golpe do falso advogado”. Criminosos se apropriam indevidamente da imagem e do nome de profissionais da advocacia para enganar cidadãos que possuem ações na Justiça, gerando danos financeiros e morais de grande monta.
Este artigo tem como objetivo esclarecer o funcionamento dessa fraude, detalhar os direitos das vítimas — tanto os clientes lesados quanto os profissionais que têm sua identidade usurpada — e analisar a responsabilidade jurídica das operadoras de telefonia, cujos serviços são indispensáveis para a execução do golpe. O conteúdo é informativo, em conformidade com as diretrizes éticas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e visa fortalecer o conhecimento do cidadão sobre seus direitos.
O Mecanismo do Golpe: Uma Ameaça Dupla
O “golpe do falso advogado” não é uma fraude simples. Trata-se de um esquema bem estruturado, que explora a confiança que o cliente deposita em seu representante legal e a vulnerabilidade dos sistemas de segurança. As vítimas, nesse cenário, são duplas: o cliente, que sofre o prejuízo financeiro direto, e o advogado, que tem sua honra e reputação profissional atacadas.
Com base em informações divulgadas por órgãos de imprensa e pela própria Justiça Federal [1, 2], o modus operandi dos criminosos pode ser resumido da seguinte forma:
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Etapa
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Descrição da Ação Criminosa
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1. Coleta de Dados
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Os fraudadores acessam bancos de dados públicos e sistemas processuais para obter informações detalhadas sobre processos judiciais, incluindo nomes das partes, valores envolvidos e os dados dos advogados constituídos.
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2. Contato Fraudulento
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Utilizando um número de telefone recém-habilitado em nome de laranjas, os criminosos entram em contato com a vítima (geralmente via WhatsApp), usando a foto e o nome real do advogado para criar um perfil falso.
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3. A Falsa Promessa
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O golpista informa sobre uma suposta liberação de valores expressivos (precatórios, RPVs, indenizações) e, para dar credibilidade, pode enviar documentos falsificados com timbres oficiais e até mesmo peças processuais verdadeiras obtidas ilegalmente.
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4. A Extorsão
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Para a liberação do montante, o criminoso exige um pagamento antecipado a título de “custas processuais”, “taxas cartorárias” ou “impostos”. A urgência é sempre um fator chave, pressionando a vítima a agir rapidamente.
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5. O Prejuízo
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Após a transferência (geralmente via PIX para contas de terceiros), os golpistas desaparecem, bloqueando o contato e deixando um rastro de prejuízo financeiro e um grave abalo emocional.
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É crucial ressaltar que, além do cliente, o advogado tem sua imagem profissional maculada, sendo forçado a se explicar para clientes e colegas, e vendo seu nome, construído com anos de trabalho ético, associado a uma atividade criminosa.
A Responsabilidade Civil das Operadoras de Telefonia
Uma questão central nesses casos é a responsabilidade das empresas de telecomunicações. As linhas telefônicas são a principal ferramenta para a execução da fraude, e a falha na segurança para habilitação e uso desses serviços é um fator determinante para o sucesso dos criminosos. A legislação brasileira, em especial o Código de Defesa do Consumidor (CDC), é clara ao estabelecer a responsabilidade dessas empresas.
Conforme o artigo 14 do CDC, a responsabilidade do fornecedor de serviços é objetiva, ou seja, independe da existência de culpa. A norma estabelece que o fornecedor deve reparar os danos causados por “defeitos relativos à prestação dos serviços”. A ativação de uma linha telefônica por um fraudador, sem a devida verificação de segurança, caracteriza uma grave falha na prestação do serviço [3].
Art. 14, CDC: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
Essa responsabilidade se fundamenta na Teoria do Risco da Atividade. Segundo essa teoria, aquele que obtém lucro com uma atividade econômica deve também arcar com os riscos e prejuízos dela decorrentes. Permitir que seus chips e linhas sejam usados para a prática de crimes é um risco inerente ao negócio das operadoras, e os danos resultantes devem ser por elas indenizados.
Adicionalmente, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018) impõe às empresas o dever de adotar medidas de segurança para proteger os dados pessoais, o que reforça a obrigação das operadoras em garantir que suas plataformas não sejam utilizadas para fins ilícitos.
Seus Direitos: O Que a Justiça Pode Fazer por Você
Tanto o cliente que sofreu o prejuízo financeiro quanto o profissional que teve seu nome utilizado indevidamente possuem direitos e podem buscar reparação na Justiça.
•Para o Cliente Vítima da Fraude: É possível ingressar com uma ação judicial contra a operadora de telefonia (e, a depender do caso, solidariamente contra instituições financeiras envolvidas) para buscar o ressarcimento dos danos materiais (valores transferidos aos golpistas) e a compensação por danos morais, decorrentes do abalo psicológico e da quebra de confiança.
•Para o Profissional Impersonificado: O advogado ou outro profissional que tem sua identidade usada no golpe pode e deve buscar a tutela de seus direitos. A Justiça pode ser acionada para determinar o bloqueio imediato da linha telefônica fraudulenta, bem como o fornecimento dos dados cadastrais do titular da linha para fins de investigação cível e criminal. Além disso, é cabível um pedido de indenização por danos morais e danos existenciais, uma vez que a fraude atinge diretamente a reputação, a honra e o projeto de vida profissional da vítima.
Como se Proteger e Agir em Caso de Golpe
A prevenção é a ferramenta mais eficaz. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região e outros órgãos públicos oferecem orientações claras [2]:
1.Desconfie de Contatos Inesperados: Advogados e escritórios de advocacia não costumam solicitar pagamentos de taxas ou custas via WhatsApp ou PIX. Na dúvida, sempre contate seu advogado por um número de telefone que você já possua.
2.Jamais Faça Pagamentos Antecipados: O Poder Judiciário não exige o pagamento de taxas para a liberação de valores. Os pagamentos de processos ocorrem por meio de alvarás judiciais ou precatórios, diretamente em contas judiciais ou na conta do beneficiário.
3.Verifique a Identidade: Antes de tomar qualquer atitude, confirme a identidade de quem o contatou. Ligue para o escritório, verifique o número da OAB do profissional e cheque os canais oficiais de comunicação.
Se você, infelizmente, já foi vítima ou é um profissional sendo impersonificado, as medidas a serem tomadas são:
•Registre um Boletim de Ocorrência: Reúna todas as provas (prints de conversas, comprovantes de transferência, números de telefone) e registre o fato na polícia.
•Notifique a Operadora e o Banco: Comunique formalmente a operadora de telefonia sobre a fraude e solicite o bloqueio da linha. Informe também a instituição financeira para a qual o dinheiro foi enviado.
•Procure Assessoria Jurídica: Um advogado especializado poderá orientá-lo sobre as medidas judiciais cabíveis para buscar a reparação dos danos e a responsabilização dos envolvidos.
Em um cenário de fraudes cada vez mais elaboradas, a informação é a sua maior aliada. Conhecer seus direitos e os deveres das empresas é o primeiro passo para se proteger e para buscar a devida justiça.
Este artigo tem caráter exclusivamente informativo e não constitui consultoria, parecer ou aconselhamento jurídico. Caso tenha sido vítima de um golpe semelhante ou necessite de orientação jurídica sobre o tema, é fundamental buscar assessoria especializada para avaliar as medidas cabíveis e proteger seus direitos.
Referências
[1] G1. (2025, 26 de outubro). Golpe do falso advogado: quadrilhas usam dados reais da Justiça para roubar vítimas. Fantástico. Acessado em 30 de outubro de 2025, de https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2025/10/26/golpe-do-falso-advogado-quadrilhas-usam-dados-reais-da-justica-para-roubar-vitimas.ghtml
[2] Tribunal Regional Federal da 3ª Região. (2025, 22 de maio). Golpe do falso advogado: saiba o que é e como se proteger. Acessado em 30 de outubro de 2025, de https://www.trf3.jus.br/campanhas/2025/golpe-falso-advogado
[3] Galícia Educação. (2025, 1 de agosto). Responsabilidade Civil das Operadoras por Fraudes Telefônicas. Acessado em 30 de outubro de 2025, de https://www.galiciaeducacao.com.br/blog/responsabilidade-civil-das-operadoras-por-fraudes-telefonicas/