A crescente digitalização das nossas vidas trouxe inúmeros benefícios, mas também abriu portas para novas e sofisticadas modalidades de crimes. Um dos exemplos mais alarmantes e recorrentes da atualidade é o “Golpe do Falso Advogado”, uma fraude que explora a confiança de cidadãos em seus representantes legais para subtrair valores e causar danos irreparáveis. Este artigo tem como objetivo esclarecer, de forma informativa e em conformidade com as diretrizes éticas da OAB, como a atuação jurídica especializada é fundamental para proteger as vítimas, responsabilizar os envolvidos e buscar a reparação dos prejuízos.
O Cenário dos Golpes Digitais no Brasil
Dados recentes revelam um cenário preocupante. Nos últimos três anos, o “Golpe do Falso Advogado” sozinho gerou um prejuízo estimado em R$ 2,8 bilhões no Brasil [1]. Pesquisas mais amplas indicam que um em cada três brasileiros já foi vítima de algum tipo de golpe na internet, totalizando cerca de 56 milhões de pessoas com perdas financeiras [2].
Esses números demonstram a urgência de se discutir o tema e, principalmente, de informar a população sobre os mecanismos de proteção e reparação disponíveis. O golpe geralmente se desenrola da seguinte forma: criminosos obtêm acesso a dados de processos judiciais, que em sua maioria são públicos, e utilizam informações reais para contatar as vítimas através de aplicativos como o WhatsApp. Passando-se pelo advogado da causa, e muitas vezes utilizando sua foto de perfil, o golpista informa sobre uma suposta liberação de valores e exige um pagamento prévio, via PIX ou boleto, para a conclusão do processo. A urgência e a verossimilhança das informações acabam por induzir muitas pessoas ao erro.
A Responsabilidade das Plataformas Digitais: Uma Nova Perspectiva
Por muito tempo, as grandes empresas de tecnologia, como a Meta (proprietária do Facebook, Instagram e WhatsApp), se isentaram da responsabilidade por conteúdos fraudulentos gerados por terceiros em suas plataformas. Contudo, uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Tema 987 de Repercussão Geral em junho de 2025, mudou radicalmente este panorama [3].
O STF estabeleceu que as plataformas digitais possuem um dever de cuidado e podem, sim, ser responsabilizadas civilmente pelos danos decorrentes de conteúdos ilícitos, especialmente quando notificadas e permanecem inertes. A nova tese firmada determina que o provedor será responsabilizado em casos de crimes ou atos ilícitos e, crucialmente, em casos de contas denunciadas como inautênticas – o cerne de golpes como o do falso advogado.
Essa decisão representa um marco na proteção do consumidor e do cidadão no ambiente digital, pois inverte o ônus da prova: agora, cabe à plataforma demonstrar que agiu com a devida diligência para coibir a fraude. Isso fortalece a posição da vítima e abre um caminho mais claro para a busca por reparações.
|
Novos Deveres das Plataformas (Pós-Tema 987 STF)
|
|
Remoção Imediata de Conteúdo: Devem remover imediatamente conteúdos que configurem crimes graves após notificação.
|
|
Responsabilização por Contas Falsas: Podem ser responsabilizadas por danos causados por contas inautênticas.
|
|
Canais de Atendimento: Devem disponibilizar canais de atendimento acessíveis e eficientes para denúncias.
|
|
Representação no Brasil: São obrigadas a manter sede e representante legal em território nacional.
|
Os Serviços Jurídicos na Proteção Contra Golpes Digitais
Diante de uma fraude, a vítima pode se sentir desamparada e sem saber como agir. A contratação de um advogado com experiência em Direito Digital e do Consumidor é o passo mais importante para reverter a situação. A atuação jurídica especializada abrange diversas frentes, visando não apenas a recuperação do prejuízo, mas também a punição dos responsáveis e a prevenção de novos danos.
1. Tutela de Urgência para Remoção do Conteúdo
A primeira medida a ser tomada é a mais urgente: a remoção da conta fraudulenta para estancar o dano. Através de uma ação de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência, é possível obter uma ordem judicial, muitas vezes em questão de horas, para que a plataforma digital desabilite permanentemente o perfil falso. Esta agilidade é crucial para proteger a reputação do profissional cuja imagem foi roubada e para evitar que outras pessoas se tornem vítimas.
2. Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais
O prejuízo financeiro (dano material) é a consequência mais óbvia do golpe. A atuação jurídica busca o ressarcimento integral do valor perdido pela vítima. No entanto, o dano vai muito além do aspecto financeiro. O dano moral se configura pelo abalo à honra, à imagem e à credibilidade do profissional e pelo sofrimento e angústia da vítima que foi enganada. A jurisprudência tem sido firme em conceder indenizações significativas em casos de uso indevido de imagem para fins fraudulentos [4].
3. Aplicação da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor
Além do dano moral, uma tese jurídica moderna e cada vez mais aceita pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a do Desvio Produtivo do Consumidor [5]. Criada pelo jurista Marcos Dessaune, essa teoria reconhece que o tempo que a vítima é forçada a desperdiçar para resolver um problema que não criou – tempo gasto em delegacias, contatando o banco, notificando a plataforma, reunindo provas – é um recurso valioso e irrecuperável. Esse tempo subtraído da vida produtiva, do lazer e do convívio familiar constitui um dano existencial, que deve ser indenizado de forma autônoma.
Segundo o STJ, o desrespeito voluntário das garantias legais pelo fornecedor, com o intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade do serviço, configura uma lesão injusta e intolerável ao tempo útil do consumidor.
A Importância da Atuação Estratégica e Especializada
Casos envolvendo golpes digitais são complexos e exigem um conhecimento técnico aprofundado que transita entre o Direito Civil, o Direito do Consumidor e o Direito Digital. Um advogado especializado saberá como:
•Coletar e preservar as provas digitais de forma adequada para que sejam aceitas em juízo.
•Notificar extrajudicialmente as plataformas e instituições financeiras de maneira técnica e fundamentada.
•Fundamentar a ação judicial com base nas mais recentes decisões dos tribunais superiores, como a do Tema 987 do STF.
•Identificar todos os responsáveis na cadeia de eventos, incluindo as plataformas digitais e as instituições financeiras que possam ter falhado em seus deveres de segurança.
Conclusão
Ser vítima de um golpe é uma experiência traumática, mas é fundamental saber que a lei oferece caminhos para a reparação. A recente decisão do STF sobre a responsabilidade das plataformas digitais representa uma vitória para a sociedade e uma ferramenta poderosa na luta contra os crimes virtuais. Se você ou alguém que conhece foi vítima do “Golpe do Falso Advogado” ou de qualquer outra fraude online, não hesite em buscar orientação jurídica. A justiça pode e deve ser acionada para proteger seus direitos, restaurar sua dignidade e garantir que os responsáveis sejam devidamente punidos.
Aviso Legal: Este artigo tem caráter exclusivamente informativo e não constitui uma consulta ou parecer jurídico. Para uma análise específica do seu caso, é indispensável a contratação de um advogado.
Referências
[1] G1. (2025, 26 de outubro). Golpe do falso advogado: quadrilhas usam dados reais da Justiça para roubar vítimas. Fantástico. Recuperado de https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2025/10/26/golpe-do-falso-advogado-quadrilhas-usam-dados-reais-da-justica-para-roubar-vitimas.ghtml
[2] O Globo. (2025, 14 de agosto). 1 em cada 3 brasileiros sofreu golpe na internet nos últimos 12 meses, mostra Datafolha. Recuperado de https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2025/08/14/1-em-cada-3-brasileiros-sofreu-golpe-na-internet-nos-ultimos-12-meses-mostra-datafolha.ghtml
[3] Consultor Jurídico. (2025, 26 de junho). Supremo fixa tese sobre responsabilização de plataformas por conteúdo de usuários. Recuperado de https://www.conjur.com.br/2025-jun-26/supremo-fixa-tese-sobre-responsabilizacao-de-plataformas-por-conteudo-de-usuarios/
[4] G1. (2025, 24 de setembro). Meta e instituições bancárias são condenadas a indenizar vítimas do golpe do falso advogado; entenda. Recuperado de https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2025/09/24/meta-e-instituicoes-bancarias-sao-condenadas-a-indenizar-vitimas-do-golpe-do-falso-advogado-entenda.ghtml
[5] Superior Tribunal de Justiça. (2022, 26 de junho). A teoria do desvio produtivo: inovação na jurisprudência do STJ em respeito ao tempo do consumidor. Recuperado de https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/26062022-A-teoria-do-desvio-produtivo-inovacao-na-jurisprudencia-do-STJ-em-respeito-ao-tempo-do-consumidor.aspx