Ações judiciais para obter medicamentos caros pelo SUS ou plano de saúde
Introdução
Receber um diagnóstico de uma doença grave já é, por si só, um momento de grande apreensão e incerteza. A essa preocupação, muitas vezes, soma-se o desafio de arcar com os custos de um tratamento que envolve medicamentos de alto custo. A realidade de muitos brasileiros é que, mesmo com a necessidade urgente de um fármaco específico, a barreira financeira se impõe, gerando angústia e a sensação de desamparo. A busca por esses medicamentos, essenciais para a qualidade de vida e, em muitos casos, para a própria sobrevivência, pode se tornar uma verdadeira batalha contra a burocracia e as negativas dos sistemas de saúde.
Nesse cenário delicado, é fundamental que o paciente e seus familiares conheçam seus direitos. A Constituição Federal garante a todos o direito à saúde, e essa garantia se estende ao acesso a tratamentos e medicamentos, independentemente de seu valor. Este artigo tem como objetivo desmistificar o processo de obtenção de medicamentos de alto custo, seja por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) ou dos planos de saúde, e orientar sobre as ações judiciais cabíveis para assegurar esse direito fundamental. Você descobrirá que há caminhos legais para superar as negativas e garantir o tratamento necessário.
O Que São Medicamentos de Alto Custo?
Medicamentos de alto custo são fármacos que, devido à sua complexidade de produção, pesquisa e desenvolvimento tecnológico, possuem um valor de mercado significativamente elevado. Geralmente, são utilizados no tratamento de doenças raras, crônicas, autoimunes, oncológicas e outras condições de saúde complexas, para as quais as alternativas terapêuticas convencionais podem ser ineficazes ou inexistentes. A importância desses medicamentos reside na sua capacidade de oferecer esperança, controle da doença e melhoria substancial na qualidade de vida dos pacientes, sendo, muitas vezes, a única opção viável para um tratamento eficaz.
Direito Constitucional à Saúde e o SUS
O direito à saúde é um dos pilares da Constituição Federal de 1988, consagrado em seu artigo 196, que estabelece:
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” [1]
Essa prerrogativa constitucional impõe ao Estado o dever de fornecer os meios necessários para a promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo o acesso a medicamentos. O Sistema Único de Saúde (SUS) é o instrumento pelo qual o Estado cumpre essa obrigação, devendo garantir o acesso universal e igualitário a todos os níveis de assistência, inclusive o fornecimento de medicamentos. Embora o SUS possua a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), que lista os fármacos de distribuição gratuita, a ausência de um medicamento específico nessa lista não pode ser um impeditivo absoluto para o seu fornecimento, especialmente quando há comprovação médica de sua essencialidade.
Como solicitar medicamentos de alto custo pelo SUS (via administrativa):
Para tentar obter o medicamento pela via administrativa, o paciente deve seguir os seguintes passos:
1.Consulta Médica e Prescrição: Obter a prescrição do medicamento por um médico do SUS, com laudo detalhado que justifique a necessidade do fármaco, a ineficácia de alternativas disponíveis no SUS e a urgência do tratamento.
2.Documentação: Reunir todos os documentos necessários, como laudo médico, exames que comprovem a doença, relatório médico circunstanciado, cópia do RG, CPF, comprovante de residência e cartão do SUS.
3.Protocolo: Dirigir-se à Secretaria de Saúde do seu município ou estado para protocolar o pedido. Em alguns casos, o processo pode ser iniciado em unidades de saúde ou farmácias de alto custo.
4.Acompanhamento: Acompanhar o andamento do pedido, que será avaliado por uma comissão técnica. A resposta pode demorar, e a negativa, muitas vezes, é o que leva à judicialização.
O Papel da Judicialização: Tema 106 do STJ e Tema 6 do STF
A judicialização da saúde ocorre quando o paciente, diante da negativa administrativa do SUS ou do plano de saúde, busca o Poder Judiciário para garantir o acesso ao medicamento. Essa via se tornou um importante instrumento para efetivar o direito à saúde no Brasil. Contudo, a concessão judicial de medicamentos de alto custo, especialmente aqueles não incorporados às listas do SUS, é um tema complexo e tem sido objeto de importantes decisões nos tribunais superiores.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Tema 106 dos Recursos Repetitivos, estabeleceu requisitos cumulativos para o fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS:
“A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento postulado; e (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.” [2]
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Tema 6 da Repercussão Geral (RE 566.471/RN), reafirmou o dever do Estado de fornecer medicamentos de alto custo a portadores de doenças graves sem condições financeiras. No entanto, decisões mais recentes do STF, como as proferidas nos Temas 1234 e 1236, trouxeram novas nuances, especialmente em relação a medicamentos não incorporados ao SUS. Em síntese, o STF tem ponderado a necessidade de registro na ANVISA, a existência de alternativas terapêuticas no SUS e a capacidade financeira do paciente, buscando um equilíbrio entre o direito individual à saúde e a sustentabilidade do sistema público. É crucial ressaltar que a jurisprudência sobre o tema está em constante evolução, e a análise de cada caso concreto é fundamental.
Medicamentos de Alto Custo e Planos de Saúde
Para os pacientes que possuem planos de saúde, o cenário também apresenta desafios, mas com direitos bem estabelecidos. A Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98) e as normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) regulam a cobertura. Embora o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS seja uma referência para a cobertura mínima obrigatória, a jurisprudência brasileira, especialmente após a Lei nº 14.454/2022, tem consolidado o entendimento de que esse rol é exemplificativo, e não taxativo.
Isso significa que, se o medicamento de alto custo for prescrito pelo médico assistente como essencial para o tratamento de uma doença coberta pelo plano, e possuir registro na ANVISA, o plano de saúde tem a obrigação de fornecê-lo, mesmo que não esteja expressamente listado no rol da ANS. A negativa de cobertura, nesses casos, é considerada abusiva e pode ser contestada judicialmente. É importante destacar que a recusa pode ocorrer sob diversas alegações, como a de que o medicamento é de uso domiciliar ou off-label (fora da bula), mas a Justiça tem se posicionado favoravelmente ao paciente quando há expressa indicação médica e comprovação da necessidade.
Como Agir em Caso de Negativa
Diante da negativa de fornecimento de um medicamento de alto custo, seja pelo SUS ou pelo plano de saúde, é fundamental agir rapidamente. O tempo é um fator crítico, especialmente em tratamentos de doenças graves. Os passos a seguir são cruciais:
1.Documentação Completa: Certifique-se de ter em mãos todos os documentos que comprovem a necessidade do medicamento: laudo médico detalhado, prescrição, exames, relatórios que atestem a ineficácia de outras opções e a urgência do tratamento. Para planos de saúde, guarde também a negativa formal da operadora.
2.Busca por Orientação Jurídica: Procure um advogado especializado em Direito da Saúde. Esse profissional poderá analisar seu caso, verificar a documentação e orientar sobre a melhor estratégia, seja ela administrativa ou judicial. A experiência de um especialista é crucial para aumentar as chances de sucesso.
3.Ação Judicial: Em muitos casos, a única forma de garantir o acesso ao medicamento é por meio de uma ação judicial. O advogado ingressará com um processo, geralmente com pedido de tutela de urgência (liminar), para que o fornecimento seja determinado em caráter emergencial. A liminar, se concedida, obriga o SUS ou o plano de saúde a fornecer o medicamento em poucos dias.
Prazos e Cuidados Essenciais
Os prazos para o fornecimento de medicamentos podem variar significativamente. Na via administrativa, a resposta do SUS pode levar semanas ou meses. Já na via judicial, com a concessão de uma liminar, o fornecimento pode ocorrer em poucos dias. No entanto, é vital estar atento a alguns cuidados:
•Atualização da Documentação: Mantenha sempre a documentação médica atualizada, pois o juiz pode solicitar novas informações ao longo do processo.
•Cumprimento da Liminar: Após a concessão da liminar, é importante acompanhar seu cumprimento. Em caso de descumprimento, o advogado pode solicitar medidas coercitivas contra o réu.
•Recursos: Esteja ciente de que a decisão judicial pode ser objeto de recursos, mas a liminar geralmente garante o fornecimento enquanto o processo tramita.
Tabela Comparativa: SUS vs. Plano de Saúde
| 
 Característica 
 | 
 SUS (Sistema Único de Saúde) 
 | 
 Plano de Saúde 
 | 
| 
 Abrangência 
 | 
 Universal, para todos os cidadãos brasileiros. 
 | 
 Restrita aos beneficiários do plano. 
 | 
| 
 Critérios para Fornecimento 
 | 
 Requisitos do Tema 106 do STJ (laudo, incapacidade financeira, registro na ANVISA). 
 | 
 Comprovação da necessidade médica, registro na ANVISA e cobertura da doença pelo plano. 
 | 
| 
 Rol de Medicamentos 
 | 
 RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais). 
 | 
 Rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), considerado exemplificativo. 
 | 
| 
 Via de Solicitação 
 | 
 Administrativa (Secretaria de Saúde) e, em caso de negativa, judicial. 
 | 
 Administrativa (diretamente à operadora) e, em caso de negativa, judicial. 
 | 
| 
 Tempo de Resposta (Judicial) 
 | 
 Geralmente rápido com a concessão de liminar. 
 | 
 Geralmente rápido com a concessão de liminar. 
 | 
Conclusão
A jornada para obter um medicamento de alto custo pode ser árdua e desgastante, mas é fundamental que os pacientes não se sintam intimidados pelas negativas iniciais. O direito à saúde é uma garantia constitucional que se sobrepõe a entraves burocráticos e financeiros. Tanto o Sistema Único de Saúde quanto os planos de saúde têm o dever de assegurar o tratamento adequado e necessário para a manutenção da vida e do bem-estar, e a Justiça tem sido uma aliada fundamental na concretização desse direito.
É imprescindível, no entanto, que o paciente esteja bem assessorado. A complexidade da legislação e a constante evolução da jurisprudência exigem o conhecimento técnico de um advogado especializado em Direito da Saúde. Esse profissional será capaz de analisar a documentação, traçar a melhor estratégia e defender seus interesses com a agilidade e a firmeza que a situação requer. Lembre-se: a busca pelo seu direito à saúde é legítima e, com a orientação correta, as chances de sucesso são significativamente maiores.
Referências
[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 4 out. 2025.
[2] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Tema 106. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=106&cod_tema_final=106. Acesso em: 4 out. 2025.
[3] BRASIL. Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9656.htm. Acesso em: 4 out. 2025.
[4] BRASIL. Lei nº 14.454, de 21 de setembro de 2022. Altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14454.htm. Acesso em: 4 out. 2025.
[5] AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (ANS). Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. Disponível em: https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/consumidor/o-que-o-seu-plano-de-saude-deve-cobrir/o-rol-de-procedimentos-e-eventos-em-saude. Acesso em: 4 out. 2025.