O diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) inaugura uma jornada que exige acolhimento, compreensão e, fundamentalmente, acesso a tratamentos contínuos e especializados. Para muitas famílias, essa trajetória envolve a contratação de um plano de saúde, visto como um porto seguro para garantir a assistência necessária. Contudo, o que ocorre quando a operadora, que deveria ser uma aliada, se torna um obstáculo ao desenvolvimento da criança?
Este artigo informativo visa esclarecer os direitos dos beneficiários de planos de saúde, com foco no tratamento do TEA, e as obrigações legais das operadoras, em conformidade com a legislação brasileira e o entendimento dos tribunais.
A Essencialidade do Tratamento Multidisciplinar Contínuo
O tratamento para o Transtorno do Espectro Autista é complexo e singular para cada indivíduo. Geralmente, laudos médicos detalhados prescrevem uma abordagem multidisciplinar, envolvendo terapias como psicoterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicomotricidade, entre outras. A eficácia desse acompanhamento está diretamente ligada não apenas à sua regularidade e intensidade, mas também ao vínculo terapêutico estabelecido entre a criança e os profissionais.
Interrupções abruptas, alterações unilaterais de clínicas ou reduções drásticas na carga horária das terapias, sem justificativa clínica plausível, representam uma grave violação dos direitos do paciente. Tais ações podem acarretar prejuízos significativos, com risco de regressão no quadro de desenvolvimento da criança, além de gerar profunda angústia e desorganização na rotina familiar.
A Conduta Abusiva dos Planos de Saúde: O Que Diz a Lei?
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e o Poder Judiciário têm consolidado o entendimento de que a recusa de cobertura ou o embaraço ao tratamento prescrito para o TEA é uma prática abusiva. A negativa em autorizar ou custear terapias essenciais, sob o argumento de que não constam no rol de procedimentos da ANS, por exemplo, é uma tese frequentemente rechaçada.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou no sentido de que o rol da ANS é, em regra, taxativo, mas admite exceções. Mais importante, a Lei nº 14.454/2022 estabeleceu que, em casos onde não há substituto terapêutico na lista da ANS ou quando os substitutos se esgotaram, a cobertura do tratamento prescrito pelo médico assistente é obrigatória, desde que sua eficácia seja comprovada.
As operadoras de saúde têm o dever de garantir que sua rede credenciada seja suficiente e qualificada para atender às necessidades de seus beneficiários. A simples troca de um prestador por outro não é suficiente. O novo local deve oferecer a mesma qualidade e integralidade do tratamento anteriormente prestado, sem prejuízo ao paciente.
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Prática Abusiva Comum
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Dever da Operadora de Saúde
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Interrupção ou alteração unilateral do local de tratamento.
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Garantir a continuidade do tratamento em clínica apta, sem prejuízo ao paciente.
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Redução da quantidade de horas/sessões de terapia prescritas.
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Custeio integral do tratamento, conforme a prescrição do médico assistente.
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Negativa de cobertura baseada no argumento de tratamento fora do rol da ANS.
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Cobrir o tratamento prescrito quando houver respaldo técnico-científico.
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Demora excessiva ou recusa em autorizar os procedimentos.
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Prestar o serviço de forma adequada e eficiente, respeitando os prazos legais.
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O Dano Moral: Quando a Falha no Serviço Gera Dever de Indenizar
A falha do plano de saúde em assegurar o tratamento adequado não se limita a uma questão contratual. A conduta que submete o paciente e sua família a uma verdadeira “via-crúcis” — com interrupção de terapias, incertezas, e a necessidade de buscar o Poder Judiciário para garantir um direito básico — ultrapassa o mero aborrecimento.
Os tribunais brasileiros têm reconhecido que essa situação configura dano moral in re ipsa, ou seja, um dano presumido. A angústia, o estresse e a aflição decorrentes da negativa indevida de cobertura de saúde são suficientes para caracterizar o abalo moral, gerando o dever de a operadora indenizar o consumidor lesado. A indenização, neste caso, tem um caráter duplo: compensar a vítima pelo sofrimento e punir a empresa pela conduta ilícita, desestimulando a reiteração da prática.
Conclusão: A Busca por Justiça
Famílias de crianças com Transtorno do Espectro Autista já enfrentam desafios diários significativos. A luta por um tratamento digno não deveria ser mais um deles. A legislação e a jurisprudência oferecem amparo para proteger os direitos dos pacientes contra práticas abusivas por parte dos planos de saúde.
É fundamental que os beneficiários estejam cientes de seus direitos e documentem todas as etapas da comunicação com a operadora, incluindo números de protocolo, e-mails e laudos médicos. Diante de uma negativa ou de um serviço inadequado, a busca por orientação jurídica especializada é o caminho para assegurar o cumprimento do contrato e da lei, garantindo não apenas o tratamento necessário, mas também a reparação por eventuais danos sofridos.
Este artigo tem caráter puramente informativo e não substitui a consulta a um advogado especializado. Cada caso possui particularidades que devem ser analisadas individualmente.