Imagine a seguinte situação hipotética:
Regina e João viveram em união estável por 15 anos na cidade de Santos/SP. Eles não tiveram filhos juntos.
Em 2023, João faleceu repentinamente sem deixar testamento. Sua única parente viva era sua mãe, Francisca, que morava em Belo Horizonte/MG.
Após o falecimento, Regina decidiu ingressar com ação de reconhecimento de união estável post mortem para garantir seus direitos sucessórios. No entanto, surgiu uma dúvida sobre onde a ação deveria ser ajuizada: em Santos/SP (último domicílio do casal) ou em Belo Horizonte/MG (domicílio da mãe de João, que seria ré na ação junto com o espólio).
De quem é a competência?
A competência é do juízo de Santos/SP (último domicílio do casal).
Confira o que diz o art. 53, I, do CPC/2015:
Art. 53. É competente o foro:
I – para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável:
- a) de domicílio do guardião de filho incapaz;
- b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;
- c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal;
- d) de domicílio da vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha);
(…)
As regras do art. 53, I são subsidiárias e não concorrentes, devendo ser aplicadas na seguinte ordem:
1º) Foro do domicílio do guardião de filho incapaz;
2º) Foro do último domicílio do casal (na ausência de filho incapaz);
3º) Foro do domicílio do réu (se nenhuma parte residir no antigo domicílio).
Vale ressaltar, ainda, que a regra específica do art. 53, I do CPC prevalece sobre a regra geral do art. 46 (foro do domicílio do réu):
Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu.
A hipótese prevista na alínea “b” do inciso I do art. 53 do CPC/2015 busca garantir igualdade de tratamento processual entre os conviventes e facilitar a produção de provas necessárias para a instrução do processo.
Isso porque, na maioria dos casos, as provas que sustentam os pedidos em ações da seara de família estão no domicílio onde as partes moravam. Esse é o local onde se encontram bens imóveis que podem integrar o patrimônio comum e onde residem testemunhas que conviveram com o casal e podem esclarecer os pontos controversos.
Por fim, o fato de a ação ser movida contra o espólio e sucessora não altera a sua natureza de ação de reconhecimento de união estável. Por isso, continua aplicável a norma específica do art. 53, I, do CPC.
Em suma:
Na ausência de filhos incapazes, a competência para processar e julgar ações de reconhecimento de união estável, inclusive quando proposta após o falecimento do convivente, é do juízo correspondente ao último domicílio do casal.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.909.279-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 3/12/2024 (Info 23 – Edição Extraordinária).
Fonte: Dizer o Direito