Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor

Conceito

A teoria do desvio produtivo é uma inovação na jurisprudência brasileira que reconhece o tempo do consumidor como um recurso produtivo valioso. Segundo o jurista Marcos Dessaune, precursor do estudo no Brasil:
“O desvio produtivo é o evento danoso que se consuma quando o consumidor, sentindo-se prejudicado em razão de falha em produto ou serviço, gasta o seu tempo de vida – um tipo de recurso produtivo – e se desvia de suas atividades cotidianas para resolver determinado problema.”

Fundamento Jurídico

O tempo é considerado um recurso escasso e valioso. No mundo contemporâneo, marcado por rotinas agitadas e compromissos urgentes, o tempo é componente do próprio direito à vida, concretizando a existência digna de cada pessoa.
O tempo se divide em:
Tempo de trabalho (remuneração)
Tempo de estudo
Tempo livre com a família
Tempo de férias
Tempo de lazer

Aplicação no Direito do Consumidor

No Brasil, o consumidor tem sido constantemente alvo de subtração de tempo, especialmente em razão de:
Longas jornadas para solucionar problemas com produtos ou serviços
Falhas dos fornecedores
Relatos de intermináveis ligações para resolver problemas
Demoras injustificáveis para atendimento em agências bancárias
Embora o Código de Defesa do Consumidor (CDC) tenha estabelecido mecanismos em favor dos consumidores prejudicados por falhas dos fornecedores, ainda são corriqueiros esses problemas.

Jurisprudência do STJ

A teoria teve aplicação expressa no STJ a partir de meados de 2018, com destaque para julgamentos relatados pela Ministra Nancy Andrighi.

Caso Paradigmático: REsp 1.634.851

Neste caso, a ministra analisou situação em que:
Legislação municipal estabelecia tempo máximo de espera de 15 minutos em dias normais e 30 minutos em dias especiais
Banco impunha aos clientes tempo de espera superior a duas horas
Decisão da Ministra Nancy Andrighi:
“A instituição financeira recorrida optou por não adequar seu serviço a esses padrões de qualidade, impondo à sociedade o desperdício de tempo útil e acarretando violação ao interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos.”
O STJ restabeleceu a condenação por danos morais coletivos.

Dano Existencial vs. Dano Moral

São institutos jurídicos distintos:

Dano Moral

Caracterizado por situações que humilham e constrangem
Violação da honra ou imagem
Ofensa aos direitos da personalidade (intimidade, privacidade, honra e imagem)

Dano Existencial

Lesão a qualquer atividade existencial humana
Atividade que precisa ser modificada ou suprimida em decorrência de interferência externa
Relacionado à perda do tempo vital
Também chamado de desvio produtivo do consumidor

Importância Prática

A teoria do desvio produtivo atribui natureza jurídica de dano existencial à perda do tempo vital do consumidor, permitindo:
1.Indenização específica por dano existencial (separada do dano moral)
2.Reconhecimento da perda do tempo útil como dano indenizável
3.Responsabilização dos fornecedores que se esquivam de resolver problemas
4.Proteção do tempo como recurso produtivo

Relação de Causalidade

Segundo a doutrina, a atitude do fornecedor ao se esquivar de sua responsabilidade pelo problema, causando diretamente o desvio produtivo do consumidor, é que gera a relação de causalidade entre a prática abusiva e o dano gerado pela perda do tempo útil.

Aplicação Prática em Ações Judiciais

Nas ações de defesa do consumidor, quando há pedido de indenização, é importante:
1.Separar os pedidos: dano moral E dano existencial
2.Fundamentar o dano existencial com base na teoria do desvio produtivo
3.Demonstrar a perda do tempo vital: ligações, deslocamentos, esperas, tentativas frustradas
4.Quantificar o tempo perdido sempre que possível
5.Citar jurisprudência do STJ sobre o tema

Conclusão

A teoria do desvio produtivo representa uma evolução importante na proteção dos direitos do consumidor, reconhecendo que o tempo é um bem jurídico valioso e que sua usurpação pelo fornecedor gera dano indenizável, além do dano moral tradicional.